União ou Federação? Continuemos unidos. (João Sá)

    A expressão “Estados Unidos da Europa” é comumente usada pelos federalistas quando falam do futuro da União Europeia. Na verdade, é algo discutido há pelo menos 18 anos, aquando da apresentação da Constituição da UE para ser ratificada pelos Estados-membros.

    Em termos gerais, quem é contra o federalismo ou uma possível Federação Europeia é eurocético ou não apresenta confiança suficiente na atual posição da UE como organização supranacional e, assim, teme que uma federação piore ainda mais a situação.

    Sendo assim, qual posição estará mais correta? Deve a União Europeia avançar para uma agenda federalista ou continuar a desenvolver a harmonia entre os 27 Estados- membros e continuar apenas como união?

    Independentemente da posição individual de cada um, várias coisas a considerar. A União Europeia tem uma agenda progressivamente federalista. O regulamento mais ambicioso que o demonstra é o Mercado Único Digital. Por outro lado, não nenhum consenso entre os 27 para existir uma federação.

    Sendo a minha posição alguma coisa no meio, i.e., não acreditar que uma federação seja o caminho a seguir, mas não tendo nenhum problema em assumir que existe demasiada burocracia no processo legislativo da UE e demasiados mecanismos de bloqueio de diretivas ou regulamentos importantes para toda a União, continuo a acreditar que o melhor sistema é o que já existe – ser uma união.

    A União Europeia não é considerada nem uma confederação (embora tenha muitas semelhanças com uma) nem uma federação (embora tenha vários poderes semelhantes a uma). A UE é categorizada como uma aliança voluntária de, neste momento, 27 Estados europeus que se uniram para cooperarem entre si e concretizar os objetivos principais desta organização: paz e reconciliação entre os Estados, avanço da democracia e dos direitos humanos e partilhar um espaço comum onde as heranças socioculturais sejam respeitadas. E tem conseguido. Aliás, chegou a ganhar o Nobel da Paz devido à sua eficácia.

    Mas voltando à questão: deve a União Europeia avançar para uma federação? A minha resposta é não. O melhor argumento do federalismo é o argumento económico e é um argumento muito forte. De facto, uma Federação Europeia seria muito mais robusta em termos económicos e iria impor ainda mais respeito no que toca a política de ordem mundial. Vários estudos demonstram isso e é inegável as suas regalias.

    Contudo, a economia é quantificável. O problema das diferentes culturas, costumes, línguas, hábitos regionais e História dos 27 Estados-membros não o é. E a simples analogia que se faz entre os Estados Unidos da América e a União Europeia para argumentar a favor da vertente federalista é, em si própria, irrealista, no mínimo.

    Os Estados Unidos da América surgiram num  contexto pós-guerra pela sua independência e mesmo assim, para, na altura, os Estados independentes aceitarem uma federação foram preciso os preciosos Federalist Papers escritos por grandes figuras históricas como Alexander Hamilton, John Adams e James Madison e também a ajuda da potente frase de George Washington que dizia que uma nação é respeitada e respeitável se pagar as suas dívidas. Mesmo nos Estados Unidos, foram necessárias duas convenções constitucionais para garantir a sua federação.

    No entanto, a história europeia é diferente. Foi imperativo criar uma união para evitar conflitos entre as nações europeias. Além disso, os EUA não têm nem de perto nem de longe a mesma complexidade no que toca a barreiras linguísticas, culturais e históricas do que a Europa. E, por fim, uma boa parte dos Estados nem sequer quer uma federação porque acha que a solução de uma união com benefícios mútuos é a melhor, garantindo a sua soberania nacional.

    Atravessamos uma fase de imenso populismo eurocético, o que não ajuda à causa federalista. E mesmo assim, há algo que continua a ser verdade: o quão mais longe se encontrar as instituições de poder, menos confiança se tem nas mesmas. Uma Federação Europeia iria exponenciar este problema a um nível crítico.

    Para efeitos hipotéticos, imagine-se que a atual União Europeia é uma Federação Europeia. Conte-se apenas com os 27 Estados-membros e ignore-se, neste exercício, países da Zona Euro que não são membros e restantes países europeus. A nossa capital é Bruxelas, temos um poderoso exército europeu, uma excelente política de defesa e migração, temos um crescente mercado único que rapidamente poderá superar o dos Estados Unidos da América, temos poderosas instituições federais centralizadas nos estados da Bélgica, França e Alemanha, temos uma limpeza nas dividas soberanas, uma limpeza em sobreposições de tratados e garantimos uma forte sociedade que, a priori, tem o potencial para ser a mais poderosa do mundo.

    E o que não temos? A Federação obrigaria a uma união obrigatória. Logo, teríamos uma língua. Qual? Inglês seria a melhor escolha, mas boa sorte em fazer com que a França ou a Alemanha aceitem tal coisa. Não teríamos a nossa bagagem histórica, para o melhor ou para o pior. A discrepância entre estados no Leste da Federação e no Centro seria esmagadora e potencialmente destrutiva para a Federação. Não temos Constituições nacionais, porque a Constituição da UE iria mudar muitos aspetos de todos os estados. A nossa bandeira passa a ser estatal em vez de nacional. O mesmo para os nossos hinos. E a nossa identidade? Europeia. Não portuguesa, não espanhola, não francesa, não alemã. Apenas europeia, seja o que isso for.

    Existem muitas melhorias a fazer à nossa União, sem dúvida. Muitas delas podem ser feitas através do processo federal ou, simplesmente, ter uma maior cooperação entre os Estados-membros. A harmonização que a União Europeia tanto apregoa não significa todos os indivíduos pensarem da mesma forma. Isso não representa de todo o continente europeu. Significa negociar o melhor para os seus povos, fazer concessões para uma maior estabilidade sem perder a sua soberania, fazer brilhar o processo democrático e continuar a demonstrar que através de entreajuda entre Estados com contextos muito diferentes é possível ser um dos projetos políticos mais ambiciosos da História e mesmo assim ter sucesso.

João Sá