“Mamã, mamã… não consigo respirar… não acredito nisto… eu amo-te (…) diz aos meus filhos que os amo, eu vou morrer (…) Não consigo respirar. Por favor! Por favor, deixem-me levantar (…) Não consigo respirar! Ai, provavelmente vou morrer assim! (…) Sou claustrofóbico. Dói-me o estômago, o pescoço, tudo! Preciso de água, por favor! Por favor? Não consigo respirar! (…) Por favor, não consigo respirar, não consigo respirar, ah! Vão-me matar! Vão-me matar, não consigo respirar, não consigo respirar!”
Isto é o resumo dos últimos dez minutos de vida do
cidadão americano George Floyd, após ser detido pela polícia do Minnesota. No
dia 25 de Maio de 2020, Floyd foi preso por ter alegadamente comprado cigarros
com dinheiro falsificado. Numa fase inicial, entrou em pânico e recusou entrar
no carro da polícia, dizendo ser claustrofóbico, e de seguida um dos agentes,
Derek Chauvin, prende Floyd ao chão durante oito minutos, com o joelho em cima
do pescoço. O cidadão detido disse por várias vezes que não conseguia respirar,
e informou as autoridades que, para além de ser claustrofóbico, tinha acabado
de recuperar da COVID-19. Chauvin não quis saber, manteve o joelho durante oito
minutos, respondia que “estava a gastar demasiado oxigénio a tentar resistir”
e, após Floyd ter perdido os sentidos, continuou durante mais dois minutos.
Os dez minutos de angústia e desespero de Floyd não
são exceção, mas sim a regra para os cidadãos não caucasianos às mãos das
forças policiais. Estatísticas publicadas pelo Statista Research Department
mostram que, desde 2017, a proporção de pessoas mortas pela polícia nos EUA tem
andado à volta de dois caucasianos por um negro, e não muito diferente entre
caucasianos e hispânicos/latinos. Ora, os caucasianos representam 61% da população
americana, ao passo que 18% são hispânicos/latinos e apenas 13,4% são
negros/afro-descendentes, o que significa que, na prática, a proporção de
cidadãos pertencentes a minorias étnico-raciais mortos pela polícia,
considerando o total da população, é substancialmente superior. Isto é
reforçado por um estudo de 2018 que revela que o risco de ser morto pela
polícia é maior entre homens afro-americanos (96 por 100 mil) do que entre
todos os americanos em média (52 por 100 mil), estando também índios e hispânicos
acima da média. A isto acrescentam-se outras estatísticas, entre as quais a
percentagem de vítimas desarmadas ser maior entre negros (14%) do que brancos
(9%).
Desengane-se quem achar, no entanto, que este
sentimento de angústia, desespero e fim da vida iminente começa e acaba na
repressão policial. Ainda nos Estados Unidos, e ainda em estatísticas
publicadas pelo Statista Research Department, o homicídio é a 7ª maior causa de
morte entre negros, ao passo que entre os brancos não figura sequer no top 10.
Noutras matérias, o sentimento é o mesmo. Por exemplo, no caso de Portugal,
certamente que um jovem negro também “não consegue respirar” ao saber que 80%
dos alunos dos PALOP são encaminhados para o Ensino Profissional no secundário,
e que apenas 20% dos que acedem ao Ensino Superior são afrodescendentes. A
angústia continua na procura de condições dignas de habitação, sabendo-se que
29% dos afrodescendentes vivem, em Portugal, em situação de carência
habitacional, ou que, no caso de alguém da comunidade romani, 27,5% dos ciganos
portugueses acabam a viver em barracas ou tendas, para além de já ser sabido,
em vários exercícios feitos por jornalismo de investigação, que há uma
preferência dos senhorios em arrendarem casa a brancos. E na questão do emprego?
Certamente que, após se candidatarem a um emprego, se sentem da mesma forma
sabendo que o dobro das pessoas com nacionalidade dos PALOP está no desemprego,
que 26% dos afrodescendentes trabalha em profissões pouco qualificadas, que
normalmente exigem esforço físico ou que 74% dos ciganos portugueses tem
"grandes dificuldades de subsistência". O sentimento de angústia e
frustração acaba mesmo por perseguir um cidadão de uma minoria étnica ad
eternum em questões concretas da vida: 55% dos portugueses manifestam alguma
forma de racismo, considerando que existem raças naturalmente mais inteligentes
e trabalhadoras do que outras, ao passo que 71% apresentam um viés pró-branco,
ou seja, associam mais sentimentos positivos a pessoas brancas. A nível europeu,
segundo dados do Eurobarómetro de 2015, apenas 64% dos pais se sentem
confortáveis a verem o seu filho ou filha namorar com uma pessoa negra, e 69%
com uma pessoa asiática (Portugal dentro da média, em ambos os casos).