“A 25 de Abril de 1974 o Movimento das ForƧas Armadas, coroando a longa resistĆŖncia do povo portuguĆŖs, e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista”. Assim comeƧa o preĆ¢mbulo da nossa Constituição, instrumento que formal e materialmente recebe os fins gerais da nossa atual Forma de Governo, a RepĆŗblica Portuguesa, bem como contĆŖm os grandes princĆpios da ordem jurĆdica do nosso Estado. O processo que havia de conduzir Ć Constituição de 1976 partiu, assim, da ideia de Direito invocada pela revolução de Abril de 1974.
Assim, foi com esta primeira e vaticinada revolução,
do conturbado perĆodo entre o momento revolucionĆ”rio e a nova Constituição, que
houve o encetar, por completo, do processo de rutura de legitimidade com o
regime fascista. Este vigorou em Portugal durante quarenta e oito anos, bem
como acelerou, de igual e pronto modo, o processo de descolonização dos
territórios africanos. Destarte, Portugal passou a definir-se,
internacionalmente, como um Estado que prima pela autodeterminação dos povos
por si previamente colonizados, apelando agora ao “tornar fundamental”, e Ć
afirmação dos direitos desses mesmos povos, criando, agora, um novo paradigma,
diametralmente oposto ao anteriormente vigente, sendo um Estado que
orgulhosamente preconiza a abolição de qualquer forma de agressão imperialista
ou colonialista, contra qualquer povo.
Houve, deste modo, e perante esta nova realidade, um
compromisso criado para com todos os portugueses, o compromisso de não se
voltar à ordem anteriormente vigente. De não se retroceder em qualquer matéria
de Direitos, Liberdades e Garantias, ou mesmo nos recentemente criados, e
tĆpicos do Estado Social, Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Estes sĆ£o,
por sua vez, normas pragmÔticas de forte dependência legal, que primam pelo não
retrocesso em matƩria de direito ao trabalho e dos direitos dos trabalhadores,
saĆŗde, habitação e urbanismo, ambiente, qualidade de vida, famĆlia, e educação,
por exemplo. Houve assim, com Abril e, desde então, um pautar pela dignidade da
pessoa humana e, no meu entender, pela conceção que faz da pessoa fim e
fundamento da sociedade e do Estado, e que determina a sua autonomia vital face
Ć s demais entidades pĆŗblicas, e aos seus similares, dando, subsequentemente,
origem a um elenco e a um regime comum de Direitos Fundamentais, que se baseia
nos princĆpios da universalidade, igualdade, proporcionalidade, proteção da
confiança, e acesso por parte de todos ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva
– a todos o Direito de todos, portanto.
Certamente, é que ao longo do evoluir da História
Portuguesa desde 1974, encontramos novos desafios baseados na liberdade social,
na universalidade, e nos costumes gerais e transcendentes Ć realidade nacional,
em que o Estado PortuguĆŖs se foi, gradualmente, inserindo. Assim, a partir da
liberdade conquistada fomos incorporando, aceitando, atƩ, o conceito de que a
dignidade da pessoa humana é independente de qualquer conceção estadual, ao
mesmo tempo que reconhecemos a importância de uma forma de organização
polĆtica, que tutele a liberdade, recentemente conquistada, e que se adapta
legislativa e casuisticamente às circunstâncias que definem cada um dos
indivĆduos – um Estado Social de Direito, a tornar-se efetivo.
Finalmente, gostaria de ressalvar que, embora nos
encontremos numa Ć©poca difĆcil e de exceção, a nossa liberdade nunca foi posta
em causa – pois tivemos a oportunidade de, perante a crise que, atualmente, se
nos apresenta, escolher uma medida que melhor protege a pessoa humana – o
estado de emergĆŖncia. DĆ”-se lugar ao preservar da saĆŗde, e aos valores
inerentes à pessoa, bem como das suas especificidades, que lhe dão o poder de
inconformação. Este, poderÔ desencadear expressos, totais e definitivos
processos de afirmação, como é o caso da Revolução que hoje se celebra, e que
deu origem Ć nossa, atual, identidade portuguesa.
A liberdade Ć©, pois, algo irredutĆvel e irrepetĆvel,
que ganhamos com a Revolução do 25 de Abril e com as realidades subsequentes,
entre elas a nova Constituição de 1976, instrumento legislativo que por força
da revolução, hoje se encontra em vigor.