𝐑𝐚𝐧𝐤𝐢𝐧𝐠𝐬: 𝐚𝐯𝐚𝐥𝐢𝐚çã𝐨 𝐝𝐨 𝐬𝐮𝐜𝐞𝐬𝐬𝐨 𝐨𝐮 𝐠𝐥𝐨𝐫𝐢𝐟𝐢𝐜𝐚çã𝐨 𝐝𝐚𝐬 𝐝𝐞𝐬𝐢𝐠𝐮𝐚𝐥𝐝𝐚𝐝𝐞𝐬?

Ontem, foram divulgados os rankings das melhores escolas do ano letivo anterior. Como já é apanágio, os 30 primeiros lugares são ocupados exclusivamente por colégios privados.

No ensino secundário é preciso esperarmos pela 38ª posição para vermos a primeira escola pública. Até lá, vários nomes repetidos dos últimos anos, algumas caras novas, mas algo comum a todas as escolas: são privadas. São, portanto, escolas que exigem uma propina elevada, o que começa por ser um fator de seleção de estudantes tendo em conta o seu estrato socioeconómico, e consequentemente um mecanismo de desigualdade. Mas são também escolas que, não havendo controlo do Estado, podem dar-se ainda ao luxo de selecionarem alunos tendo em conta as notas anteriores ou eventuais dificuldades de aprendizagem, ao invés de “terem de aceitar toda a gente”, como acontece no ensino público. Para além disso, muitos destes colégios tendem muitas vezes a estar em zonas estratégicas, frequentadas por estratos sociais superiores. Estão, assim, geradas as condições para um ensino exclusivamente virado para fazer testes e preparar intensivamente para os exames nacionais, sempre com a retaguarda que, em caso de dificuldades, os pais têm capacidade económica para pagarem livros extra e explicadores aos filhos, e, na sua maioria, capacidade cultural para lhes darem mais bases.

Isso não acontece com as escolas públicas. Nessas não só não há seleção por propina como não pode haver seleção de acordo com notas, dificuldade de aprendizagem ou qualquer outro fator. Têm de aceitar qualquer aluno da área de residência e ainda casos de alunos com necessidades especiais fora dessa área. Têm de aceitar alunos provenientes de bairros sociais e/ou de famílias em situação precária. Têm de aceitar alunos com um ambiente familiar/social instável. Têm de aceitar alunos descendentes de imigrantes ou etnias minoritárias, muitos deles em situação igualmente precária, dependentes de recibos verdes e que nem as bases mínimas de língua portuguesa têm. E têm de aceitar alunos com necessidades especiais consideráveis, enormes dificuldades de aprendizagem ou problemas psicológicos que põem toda a atividade letiva em causa.

Perante este cenário, é impossível terem a mesma preparação para testes e exame que um colégio que seleciona alunos tem. Há outras preocupações a ter em conta na educação destas crianças, e não poderá ser uma tabela que tem apenas em conta notas de exames que avalia se esse trabalho foi ou não bem-sucedido. Se pudesse, que mensagem estaríamos a passar a essas escolas, a esses professores e funcionários incríveis e ao esforço imenso desses estudantes? Que a diferença entre o seu sucesso e o seu falhanço está num exame que, como já vimos, depende também de fatores socioeconómicos e é também reflexo de desigualdades? Que tudo foi em vão se nesse exame não estiverem ao nível de vários colégios frequentados pelas classes altas e por pais de um estrato sociocultural superior? Não pode ser. Não aceito. Numa sociedade que defende valores de igualdade e justiça social não é aceitável.

Fora do campo público vs privado, o mapa de média por região, quer no básico quer sobretudo no secundário, reforçam duas grandes assimetrias no nosso país: litoral vs interior (as médias melhoram claramente quando avançamos em direção à costa) e Norte/Centro vs Sul (essencialmente Alentejo, onde as notas são visivelmente mais baixas).

No entanto, que se desengane quem achar que os rankings merecem ser ignorados. Eles são sim o reflexo daquilo que o ensino NÃO deve ser e daquilo que está MAL no ensino português.

Os rankings avaliam exames. E, como já vimos anteriormente, o sucesso nesses mesmos exames depende, entre outros, de dois fatores essenciais: um ensino virado para os exames e as condições socioeconómicas do agregado familiar. E, se o primeiro fator pode ser colmatado com maior investimento do Estado no ensino público, menos benefícios para os privados ou, em ideias mais radicais, fim dos colégios privados, o segundo é inevitável. Mesmo numa escola pública, um aluno proveniente de um estrato social superior, com pais mais cultos/qualificados e com possibilidade de ter mecanismos como livros extra ou explicações de topo, estará garantidamente mais preparado do que um aluno cujo agregado familiar vive numa situação precária. O ranking também reflete isso: as escolas públicas com melhores classificações estão normalmente em grandes cidades, em zonas privilegiadas ou então recebem, por tradição um determinado tipo de alunos, ao passo que na cauda da tabela estão escolas de zonas complicadas e mais expostas à precariedade. Por isso, na minha opinião, os exames nacionais são um fator de desigualdade social e devem, por isso, deixar de contar para a média de acesso ao Ensino Superior.

Resolveríamos este problema (e o dos rankings…) mas ficaríamos com o problema das médias adulteradas, bem existente em colégios privados, e com um ensino que continuaria assim virado para a obtenção de resultados. Para isso, proponho, em primeiro lugar, que o Estado esteja atento a fraudes desse tipo em colégios privados (servindo os exames como “prova de aferição” para fins estatísticos como comparar a média interna com a média de exame) e decretar o fecho da instituição caso isso se verifique; e, em segundo lugar, que o acesso ao Ensino Superior seja dividido 50/50 entre essa média interna e provas realizadas pela própria instituição de Ensino Superior. Provas de vários tipos: testes sobre a matéria abordada, testes psicotécnicos e entrevista, evitando que a “preparação para exame” se transforme em “preparação para provas universitárias”.

Quanto à questão de ensino público vs ensino privado, acho essencial que, num país justo e com preocupações sociais claras o primeiro saia sempre fortalecido. O investimento na escola pública tem de ser tal que o privado deixe de ser um garante de mais qualidade mas apenas uma alternativa ao ensino universalizado do Estado. No entanto, considero fundamental que essa alternativa, desde que não seja concorrência desleal como acontece atualmente, exista. Por exemplo, quem quiser que o filho tenha uma educação ligada a modelos estrangeiros ou confessionais.

Em suma, acredito que estes rankings não refletem nada de positivo sobre o ensino em Portugal, cimentando ad eternum desigualdades sociais consequentes do ensino privado e do “ensino para o exame”, e criando uma ideologia de divisão entre sucesso e falhanço tendo apenas em conta números adulterados por essas desigualdades e sem uma análise crítica dos mesmos.


27 de junho 2020

Vasco Castro Pereira