Um dos melhores sinais da evolução social nos últimos tempos tem sido a quantidade e qualidade de lideranças femininas em grandes democracias ocidentais. Jacinda Ardern fez da Nova Zelândia o maior caso de sucesso na resposta à pandemia do Covid-19, Angela Merkel tem contido os ímpetos extremistas existentes na Alemanha e é um dos bastiões da democracia liberal na Europa, Sanna Marin e Mette Frederiksen – embora, no caso desta última, não esquecendo os ataques do seu governo a direitos básicos de migrantes – têm dado cartas também. E, nos próximos anos, o futuro da Democracia e do Ocidente pode estar também nas mãos de mais uma mulher jovem.
Annalena Baerbock tem “apenas” 40 anos, é deputada no
parlamento alemão e lidera, desde 2018, os Verdes do país. Apesar da juventude,
em idade e carreira, tem visto o seu partido disputar o primeiro lugar em todas
as recentes sondagens respetivas à eleição federal que será disputada este ano,
após 16 anos de governação de centro-direita. Nenhuma dessas sondagens dá, no
entanto, maioria absoluta aos Verdes, obrigando Baerbock a pensar em coligações,
nomeadamente com a CDU/CSU, que é claramente o segundo partido mais votado, ou
com pelo menos dois dos restantes partidos, mais concretamente o SPD, de
centro-esquerda, os liberais do FDP ou os socialistas do Die Linke, partindo do
princípio de que continuará a haver um cordão sanitário em torno da AfD, de
extrema direita. Todos os cenários em cima da mesa representarão um futuro
muito diferente não só para a Alemanha como, tendo em conta a posição e estatuto
geopolíticos do país, para toda a Europa e todo o Ocidente.
A coligação que parece mais evidente, à primeira vista,
seria com centro-esquerda e esquerda radical. É um cenário mais complexo do que
aparenta ser, no entanto. Entre os partidos europeus das suas coordenadas
políticas, o Die Linke é dos mais exigentes a negociar, ao passo que Baerbock
representa a ala mais “à direita” dos Verdes – que por si só já se têm cada vez
mais afastado da esquerda – e o SPD também se fixou à direita da social
democracia, apresentando como candidato Olaf Scholz, da ala mais conservadora
do partido e ministro das finanças numa coligação SPD-CDU. Por outro lado, no
Die Linke há bastante ceticismo em relação à União Europeia e, sobretudo, à
NATO, algo que não acontece nem no SPD nem nos Verdes – Baerbock, aliás, tem-se
manifestado como uma profunda defensora da NATO. Se esta coligação for para a
frente, muito provavelmente será resultado quer de uma moderação do Linke quer
de um posicionamento mais à esquerda de Verdes e SPD, sendo o outcome um
governo situado algures no meio da esquerda, próximo do socialismo democrático.
Isto poderá refletir-se numa postura bastante diferente dos últimos 16 anos,
quer a nível interno, com um modelo menos focado no crescimento económico e
mais focado em apoios sociais, redistribuição justa e questões concretas da
vida da classe trabalhadora, quer na política externa, procurando não se
comportar como “dono da Europa” ao mesmo tempo que aumenta a solidariedade com
outros povos e diminui a sua força “imperialista”.
Reitero, no entanto, que este cenário é extremamente complexo,
e que Baerbock preferirá outras alternativas que não incluam o Die Linke,
podendo até estar aberta a uma grande coligação de centro com a CDU, solução já
ensaiada a nível regional em alguns estados. Se o aliado predileto for o SPD,
haverá a alternativa de a estes somar o FDP, partido maioritariamente social
liberal de centro com facções liberais de centro-direita. A grande diferença
entre estes dois cenários é que o segundo, ainda assim, poderia trazer mais
apoios sociais e, sendo qualquer um dos três partidos mais liberal nos costumes
do que a CDU, mais progressismo. Por outro lado, uma coligação com um partido
como a CDU, que governa o país mais forte da Europa há anos, consolidaria a
Alemanha como a grande força política da Europa e uma das maiores do Ocidente e
da NATO, sendo que isso não se alteraria muito no outro cenário – o SPD é
altamente pró-EU e pró-NATO, e o FDP, ao contrário do Linke, não coloca grandes
objeções. No cômputo geral, no entanto, consistem mais ou menos na mesma
solução: uma coligação que vai desde o centro-esquerda ao centro-direita, que pouco
ou nada promete no que toca à alteração do modelo económico vigente, na
resposta aos problemas da vida concreta dos trabalhadores, do povo e da
juventude germânicos ou na defesa de um outro projeto europeu, menos virado
para os grandes grupos económicos ou para os interesses do grande capital, e
que ao mesmo tempo procurará manter a Alemanha como a grande potência europeia
e o grande baluarte da Democracia Ocidental.
A Alemanha representa, neste momento, o principal tampão
ocidental contra os extremismos e populismos, e a defesa da Democracia, do
liberalismo político e dos direitos humanos. Também representa, com estes
valores, uma voz de comando na UE, na NATO, nas finanças europeias e em todos
os outros blocos político-militares. Não é exagerado dizer, por isso, que
qualquer movimentação alemã é uma movimentação de peso para todo o mundo. Resta
esperar pela jovem Annalena, antiga trampolinista de alta competição, e saber
em que direção quer voar.
Vasco Pereira