Da ditadura militar ao Estado Novo (1ª Parte)

A 28 de maio de 1926 deu-se um Golpe de Estado militar que pôs fim à 1ª República. Portugal entra para a esfera dos regimes ditatoriais. Viveu-se até 1933 uma ditadura militar, que fracassou na “regeneração da Pátria” e estabilização do país, devido aos desentendimentos entre os militares, que provocaram uma sucessiva mudança dos Chefes executivos, e à impreparação técnica dos chefes ditatoriais que agravaram o défice orçamental.

Em 1928, António de Oliveira Salazar abraçou a pasta das finanças, com a condição de superintender as despesas de todos os ministérios. O país apresentou pela 1ª vez em 15 anos saldo positivo no orçamento. O sucesso financeiro conferiu prestígio a Salazar, o que explica a sua nomeação para chefe de Governo, em julho de 1932. Com o propósito de instaurar uma nova ordem política, Salazar dedicou-se à criação das necessárias estruturas institucionais: em 1930, o Ato Colonial e as Bases orgânicas da União Nacional; e em 1933, o Estatuto do Trabalho Nacional e a Constituição de 1933.

Este documento consagrou e serviu de base ao sistema governativo do Estado Novo, marcado por forte autoritarismo e condicionamento das liberdades individuais em prol dos interesses da Nação, que vigorou de 11 de abril de 1933 a 25 de abril de 1974, elaborada por Quirino Avelino de Jesus (poeta, advogado, jornalista e católico cristão) e por uma equipa de professores de direito escolhidos a dedo por Salazar. Não houve, portanto, uma Assembleia Constituinte que representasse os verdadeiros interesses dos portugueses.

Foi escrita sob a influência da Carta Constitucional de 1926 (ano do Golpe de Estado Militar que pôs fim à 1ª República) e das Constituições alemãs de 1871 (constituição imperial de Bismarck) e 1919, a qual permaneceu em vigor durante toda a existência do III Reich. Em março de 1933, o texto constitucional foi alvo de plebiscito nacional. As abstenções e votos em branco contaram como votos a favor, o que se revelou profundamente antidemocrático.

Os slogans salazaristas, “Deus, Pátria, Família”, “Estado forte” e “Tudo pela Nação, nada contra a Nação”, espelhavam a ideologia do Estado Novo, que adotou um caráter autoritário, corporativo, conservador e nacionalista, ao mesmo tempo que repudiava o liberalismo, a democracia e o parlamentarismo. O Estado Novo abraçou um projeto totalizante, inspirando-se particularmente no fascismo italiano.

 

Conservadorismo e tradição

Este sistema pareceu voltar as costas à Modernidade: criticou a sociedade urbana e industrial, que considerava cheia de vícios e enalteceu o mundo rural, protegeu a religião católica, reduziu a mulher a um papel passivo (a nível económico, social, político, cultural…) e encabeçou muitas hostilidades às manifestações culturais.

 

Nacionalismo

Salazar fez dos portugueses um povo de heróis, dotado de qualidades civilizacionais, e enalteceu a sua História. Apelava sobretudo a dois momentos simbólicos para o país: a Independência de Portugal e os Descobrimentos.


A recusa do liberalismo, democracia e parlamentarismo

O Estado Novo recusou os princípios do liberalismo, democracia e parlamentarismo, e consequentemente a liberdade individual e a soberania popular.

Salazar apresentava a Nação como um todo orgânico e não um conjunto de indivíduos isolados e, por isso, sobrepunha a Nação aos direitos individuais.

O Presidente do Conselho foi um insistente opositor à democracia parlamentar, visto considerar que os partidos políticos não representavam os interesses da Nação na íntegra, e que eram apenas elementos desagregadores e de enfraquecimento do Estado.

Para Salazar, só a valorização do poder executivo era garante de um Estado forte e autoritário e, por isso, na Constituição de 1933 reconheceu a autoridade do Presidente da República como primeiro poder dentro do Estado, atribuindo vastas competências ao Presidente do Conselho (ou seja, ele próprio).

Havia então um “Presidencialismo bicéfalo” e uma partilha de poderes entre estas duas personalidades. O Ministro subalternizou o poder legislativo, visto que a Assembleia Nacional se limitava a discutir propostas de lei, enviadas pelo Governo para aprovação. Salazar, um homem que se mostrava discreto, austero e moral, encarnava então a figura perfeita de Chefe Providencial, intérprete supremo do interesse nacional e “Salvador da Pátria”. A consolidação e robustecimento do Estado Novo passou pelo Culto ao chefe, tal como acontecera com Mussolini.

 

Corporativismo

Tal como o fascismo italiano, o Estado Novo português negou a luta de classes (marxista) e propôs um modelo de organização económica, social e política que consolidasse os interesses entre patrões e trabalhadores, para alcançar a tão ambicionada paz social.

O corporativismo concebia a Nação representada pelas famílias e por organismos onde os indivíduos se agrupavam pelas funções que desempenhavam. Embora todas estivessem previstas na Constituição de 1933, só funcionaram as económicas (uniões, federações nacionais e regionais…), morais (hospitais, asilos, creches, casa pia…) e culturais (universidades, agremiações científicas, literárias…).

 

O enquadramento das massas

Havia um conjunto de instituições e processos cujo objetivo era o enquadramento das massas, para obter adesão ao projeto do regime, como o Secretariado da Propaganda Nacional (SPN), que tinha a função de divulgar as ideias do regime e padronização da cultura; a União Nacional, partido único; Juramento do funcionalismo público, para provar fidelidade; Organizações milicianas (Legião Portuguesa, criada para defender a Nação e conter a ameaça bolchevista e a Mocidade Portuguesa, de inserção obrigatória para os jovens, destinava-se a ideologizar a juventude; Obra das mães para a educação nacional,  formação de futuras mulheres e mães; e a Fundação Nacional para a alegria no trabalho (FNAT), que controlava os tempos livres dos trabalhadores, promovendo atividades recreativas e educativas norteadas pelo sistema.


O aparelho repressivo do Estado

A censura prévia aos meios de comunicação e artísticos abrangeu assuntos políticos, religiosos, militares, etc... Assumiu um caráter ditatorial intelectual. O “Lápis azul” proibia a difusão de palavras e imagens que contrariassem qualquer ideia do sistema. A polícia política (PVDE e posteriormente PIDE) tinha a função de silenciar todos os opositores ao regime. Possuía uma vasta rede de informadores.

 

O projeto cultural do Regime

O Estado Novo compreendeu a necessidade de uma produção cultural submetida ao Regime, o que subverteu todo o tipo de artistas a uma elevada censura. Concebeu um projeto totalizante que usava artistas e escritores como instrumentos de propaganda do seu ideário.

Esta “política de espírito” viria a ser implementada pelo SPN (1933), dirigido por António Ferro. Este convenceu o ditador português a dar grande importância às manifestações culturais, pois considerava que “a arte, a literatura e as ciências constituem a grande fachada de uma nacionalidade, o que se vê lá de fora”.

Estas áreas seguiam a ideologia do Estado Novo. Houve uma tentativa controversa de Ferro em promover a união entre conservadorismo e vanguarda. No domínio literário, a adesão de escritores foi fraca, mas nas artes plásticas, decorativas, arquitetura, bailado, cinema e teatro, mostrou-se mais fecunda. Eram patrocinados sobretudo os artistas que enaltecessem as tradições nacionais e populares, a grandeza histórica do país e a dimensão civilizadora dos portugueses. Porém, com a derrota dos fascismos em 1945 e a dificuldade em enquadrar as novas gerações nestes moldes artísticos, Ferro abandona o SPN em 1949, deixando para trás um projeto cujo objetivo era formar o português “estado-novista”.


Inês Cardoso