A economia portuguesa pós 25 de Abril


Senha de racionamento datada de 1951.

Em mês de festejarmos os 47 anos desde o memorável dia 25 de Abril de 1974, escrevo-vos sobre a transformação económica no país depois de 40 anos de Estado Novo. Quatro décadas em que direitos e liberdades foram suprimidos, e em que o atraso tecnológico nos deixou envergonhadamente sós.

Atualmente, algumas forças políticas como o partido de origem duvidosa de extrema-direita, ou os iluminados liberais, argumentam que a Constituição da República Portuguesa de 1976 é a única na Europa que louva o socialismo, e alguns até se estão “nas tintas” para ela.  Curioso como a conquista da igualdade de todos perante a lei; a liberdade sindical e o direito à greve; o direito de voto; o direito à educação e à cultura, entre muitos outros direitos e liberdades, lhes causa tanta confusão. 

Fila para a Sopa dos Pobres.
Mas voltando ao campo da economia, é necessário contextualizar Portugal no tempo. Durante a Segunda Guerra Mundial, a economia portuguesa beneficiou do aumento do volume de exportações de matérias-primas; produtos alimentares e manufaturados para os países beligerantes.  No entanto, a posteriori da guerra, enquanto as economias de outros países europeus recuperavam miraculosamente, o investimento e a indústria portuguesa estavam bloqueados devido à grande preocupação com o equilíbrio financeiro (Pedro Passos Coelho, is that you?). 

Quem nunca ouviu a frase “Livro-vos da guerra, mas não vos livro da fome”? Pois é camaradas, enquanto grande parte dos produtos alimentares eram exportados para os países envolvidos na Segunda Guerra Mundial, muitos concidadãos viviam num cenário de fome extrema. Muitas das crianças daquela época viam-se obrigadas a fazer fila de madrugada com as senhas de racionamento, no entanto, eram muitas as ocasiões em que voltavam para casa de mãos a abanar dada a escassez de produtos. E, com isto, não podemos esquecer que naquele período amargurante, as pessoas sem casa, devido à proibição de mendigar, eram levados pela polícia para uma instituição de indigentes, e eram tratados como lixo humano.

Gráfico que retrata o brutal aumento da receita fiscal,
fruto dos sucessivos aumentos de impostos,
principalmente a partir da eclosão da Guerra Colonial.

O equilíbrio financeiro temporário só foi possível com base num aumento criminoso dos impostos e de cortes na educação, saúde e assistência social. Apesar deste apertar o cinto à Salazar, no período de 1960 a 1974 a Despesa Pública sobe em flecha devido à eclosão da Guerra Colonial. A Receita Fiscal nunca conseguiu acompanhar a Despesa, e o povo em sofrimento teve de custear uma guerra injusta. 


Gráfico concernente à despesa pública e à divida pública.
Apesar do brutal aumento de impostos, e cortes nas despesas essenciais do Estado,
a dívida aumentou exponencialmente a partir do início da Guerra Colonial nos anos 60.
Apesar de alguns investimentos em obras públicas por parte do Estado Novo, nada do que o regime fazia tinha impacto suficiente na economia portuguesa. Portugal continuava muito atrás dos restantes países europeus e permanecia pouco desenvolvido e pouco moderno. Nas cidades e no campo o desemprego mantinha-se, e muitos portugueses eram forçados a emigrar, principalmente para a Alemanha e para a França. Os recursos financeiros absorvidos pela Guerra Colonial são crescentemente financiados por Dívida Pública, pelas remessas dos emigrantes e receitas obtidas com o turismo. 


Com a queda do Estado Novo, e a implementação do Processo Revolucionário em Curso (PREC), Portugal viu-se envolvido numa grande turbulência política, económica e social. Esta turbulência apenas foi sanada aquando da adesão de Portugal àquela que, na data de 1 de Janeiro de 1986, se denominava Comunidade Económica Europeia. No seguimento da adesão de Portugal à CEE, e tendo em conta as desigualdades presentes na sociedade portuguesa oriundas das décadas de pobreza e sofrimento do Estado Novo, o nosso país recebeu constantemente fundos estruturais que muito contribuíram para a modernização do setor produtivo e das infraestruturas. 

 Assinatura do Tratado de Adesão de Portugal à CEE,
pelo então primeiro-ministro Mário Soares, em 12 de Junho de 1985.

Esta adesão, aliada à abertura total da economia portuguesa ao exterior, possibilitou um crescimento económico impressionante. Algumas empresas nacionais conseguiram tornar-se líderes mundiais nos seus respetivos setores de atuação, como a madeira; calçado; papel; cortiça; vinho; software especializado e muitos outros. Em simultâneo, inúmeras empresas internacionais instalaram-se em Portugal, criando mais postos de trabalho qualificados e contribuindo positivamente para o desenvolvimento de Portugal. 


O aumento dos investimentos, do crescimento económico e das exportações de bens e serviços contribuíram decisivamente para a melhoria da expectativa de vida e qualidade da mesma. Em 1974, ano em que findou o regime que governava Portugal, a expectativa de vida da população situava-se em torno dos 68 anos de idade. Hoje, a mesma ultrapassa já os 80 anos de idade. 

Mas a transformação social e económica de Portugal não se ficou por aqui, no período que antecedeu a Revolução dos Cravos, eram menos de 80 mil os estudantes que frequentavam o ensino universitário e politécnico. Hoje, esse número ascende a 397 mil estudantes, o quíntuplo do que sucedia durante o Estado Novo. Escusado será dizer que a educação superior é um dos principais pilares para o desenvolvimento económico de qualquer país. Ainda na esfera da educação, o Estado português passou de uma execução orçamental em % do PIB de 1,3% em 1974 para um valor próximo dos 4% atualmente. Também a percentagem de homens e mulheres que não sabem ler nem escrever baixou de 26% para menos de 5% no período pós 25 de Abril. 


Gráfico relativo ao Índice de Desenvolvimento Humano de Portugal desde a década de 80.
É possível observar-se um aumento exponencial da qualidade de vida em Portugal.
Em 2019, o IDH do nosso país situa-se em 0.864. O máximo possível é 1.

Gráfico com a evolução da execução orçamental do Estado, em % do PIB, no que concerne à Educação.
Apesar desta percentagem estar a decrescer, desde que o Partido Socialista formou governo,
e a partir do Orçamento de Estado de 2016, a dotação orçamental até 2019 aumentou perto de 800 milhões de euros


Ainda mais chocante, pela positiva, é a análise aos desenvolvimentos que a revolução trouxe para a saúde. Uma das grandes conquistas de Abril, o Serviço Nacional de Saúde, reflete-se a nível orçamental numa execução orçamental de quase 5% do PIB contra uns vergonhosos 0,3% de 1974. 


Gráfico representativo da evolução da execução orçamental, em % do PIB, da Despesa do Estado em Saúde

Apesar da ausência de dados anteriores à adesão de Portugal à CEE, vou abordar mais 3 indicadores que exemplificam a explosão de inovação que o nosso país observou no pós regime salazarista.

 O primeiro dos três indicadores é a percentagem do PIB que o Estado destina ao financiamento de I&D (Investigação e Desenvolvimento). Em 1986, ano em que Portugal aderiu à CEE, esse indicador encontrava-se em 0,2% do PIB. Hoje, o nível de investimento é 4 vezes superior fixando-se perto de 1% do PIB. 

Também de forma exponencial aumentaram as patentes nacionais, europeias e internacionais requeridas e concedidas a inventores portugueses. Em 1990, existiam cerca de 148 registos, em contraposto, no ano de 2020 foram perto de 750 registos. Um aumento impressionante que ultrapassa os 400%! 

E por fim, mas não menos importante, tenho a registar o aumento de trabalhos publicados em revistas científicas internacionais por cada 100.000 habitantes. Enquanto em 1981 esse número estava nos 3,1 por 100.000 habitantes, em dados de 2018 encontra-se em quase 234 por 100.000 habitantes. Estamos a falar, portanto, num incremento de mais de 7.000%! 

Em vista dos argumentos apresentados, caras e caros camaradas, orgulha-me dizer que Portugal está quase totalmente cumprido. No entanto, não podemos relaxar com aquilo que atingimos até ao dia de hoje. Sabemos das enormes dificuldades que Portugal ainda enfrenta no panorama económico-social, e ainda há muito a fazer para que sejamos um país convergido com a média da União Europeia. É facto que passamos de um PIB per capita de 58% da média dos países europeus em 1974 para quase 80% no ano de 2020, mas isso não basta. 

Unámo-nos, a partir deste mês, em torno dos valores de Abril, e façamos de Portugal um país ainda mais progressista, justo e desenvolvido.


Gonçalo Leite