25 de abril: ponto de situação e o que falta para cumprir a Revolução

             Há 47 anos, foi o primeiro dia do resto das nossas vidas.

O dia inicial inteiro e limpo, que nos libertou de um regime totalitário, ultraconservador e de extrema-direita, de uma guerra desumana e desnecessária em nome de um conceito obsoleto de Nação, de um modelo que nos transformou num dos países mais atrasados, miseráveis e desiguais da Europa, e com menos liberdade e menos qualidade de vida.

Da Revolução de Abril, e do espírito inerente à mesma, de construção de um mundo melhor, com liberdade, democracia e socialismo, e de soluções para os problemas concretos da vida do povo, com mais direitos, liberdades e garantias, surgem desde logo grandes conquistas, como as primeiras eleições em liberdade e, sobretudo, a Constituição da República Portuguesa (CRP) de 1976.

Um texto que, imbuído desse espírito de luta por um mundo melhor, propõe uma alternativa concreta, com um caminho gradual, assente em direitos, liberdades e garantias, para uma sociedade socialista.


Desde esse momento, a evolução é notória e inegável.

Revertemos a situação económica em que a maioria do povo português se encontrava, e temos neste momento, apesar das sucessivas crises provocadas por um sistema global e neoliberal e apesar de sermos um país pequeno e com fontes de riqueza naturais pouco significativas, uma economia sustentável e vocacionada para o futuro, como a nossa aposta nas energias renováveis.

Substancia esta análise também o facto de apresentarmos um Estado Social, inexistente durante o Estado Novo, que é funcional, relativamente forte e que foi responsável por grandes conquistas, como um Serviço Nacional de Saúde que permite que todos os cidadãos portugueses sejam tratados com dignidade e um Sistema de Ensino que garante a qualidade, frequência e o acesso a todos os portugueses.

A juntar a isto, vivemos num Estado de Direito democrático, pluralista, garante da liberdade de expressão e de conquistas sociais como o direito à interrupção voluntária da gravidez, o casamento entre pessoas do mesmo sexo ou adoção por casais homoparentais.

Dito isto, importa, também, realçar que a democracia não é estática nem um dado adquirido, e sempre será necessário continuar a  avançar para se fazer cumprir Abril!

 

Por exemplo, o texto da Constituição de 1976 refere o direito universal a habitação “de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”, decretando também que cabe ao Estado fazer cumprir esse direito através de políticas públicas de habitação, promoção de habitação económica e social em parceria com o poder local e fomentação da construção de cooperativas, garantindo sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria.

No entanto, a habitação digna para todos ainda está longe de ser cumprida.

No mais recente estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, “A Pobreza em Portugal – Trajetos e Quotidianos”, constatamos que há 7100 portugueses em situação de sem-abrigo, ao passo que 730 mil casas estão vazias ou abandonadas.

Há também um estudo que revela que, no nosso país, mais de 25 mil famílias vivem em residências “não satisfatórias”. Por outro lado, de acordo com vários outros estudos, a maioria da habitação é privada e destinada a classe média financeiramente mais estável, enquanto apenas 2% dos fogos correspondem a habitação pública e o período de maior investimento das cooperativas foi obliterado pelo maior investimento de sempre em habitação privada (anos 80/90).

Em termos de investimento do OE, um estudo de 2015 revela que, entre 1987 e 2011, a esmagadora maioria (73,3%) do montante destinado à habitação foi para apoios à pessoa como bonificação de juros no crédito à habitação, que aglutinou o esforço financeiro e colocou em segundo plano opções de promoção da habitação.

Creio que é notório que ainda há muito mais a fazer para se fazer cumprir aquilo que está garantido na CRP e, consequentemente, para se fazer cumprir o espírito da revolução de abril na sua plenitude.


Outra área na qual existe uma discrepância entre o que está plasmado na CRP e aquilo que foi realmente cumprido é na Cultura.

No texto, define-se que todos têm direito à fruição e criação cultural, cabendo ao Estado assegurar o acesso universal às mesmas e à democratização da Cultura, bem como apoiar as iniciativas que estimulem a criação individual e coletiva, desenvolver as relações culturais com todos os povos, articular a política cultural e as demais políticas setoriais e corrigir assimetrias existentes no domínio.

No entanto, o que se verifica é uma cultura que nunca deixou de ser desigual, não só em termos de classes como também a nível de assimetrias territoriais, com uma grande dissonância entre Porto/Lisboa e o resto do país, no que toca a investimento, mas também a agentes culturais.

Para além disso, temos o terceiro governo que menos investe na Cultura em toda a União Europeia, com apenas 0,6% do PIB a ser direcionado para essa área, estando a mesma por isso mais vocacionada para elites socioculturais.

A Cultura é dos principais instrumentos de educação e mobilização das massas, e consequentemente um país sem cultura é um país mais desigual e menos democrático.


Termos noção de tudo o que ainda falta fazer para se cumprir o Portugal de Abril na sua plenitude, não deixando de saudar o imenso e inequívoco progresso, é algo fundamental para a valorização da democracia, da terceira república, da revolução e do seu espírito de luta por um país melhor, sobretudo numa altura em que isso é mais importante do que nunca!

Vasco Pereira