O ensaio nos Açores

Crise política. O fantasma que paira constantemente sobre a realidade portuguesa, e que, incessante e infelizmente, é usado como moeda de troca no panorama político nacional, passa a ter novos contornos.

Contornos esses mais obscuros, sinistros, que começam a ser desenhados com o patrocínio da commumente chamada “direita democrática” portuguesa, que estende o tapete a partidos extremistas, que atacam de frente a previsibilidade e estabilidade governativas típicas de um sistema eleitoral proporcional, e que poria em causa a recente estabilidade política conseguida nos recentes anos.

Este fenómeno foi testado e, preliminarmente, verificado nas eleições regionais Açorianas de 25 de Outubro, que culminaram num acordo Governativo à direita orientado pelo PSD, no qual se incluiu o partido de extrema-direita xenófoba e racista Chega!. Esse acordo foi, posteriormente aceite pelo Representante da República, órgão responsável perante o Presidente da República, que fazendo uso da competência em em si delegada pelo Presidente para competência de atos próprios, aceitou a base Governativa proposta em acordo pelos partidos interessados - facto este que materialmente responsabiliza, também, não só o RR dos Açores, mas também o nosso Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa, por este infeliz acordo regional.

Claro está, note-se, que as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas apenas legislam em matéria de interesse específico das RA, ou mesmo, se autorizadas pela Assembleia em determinados casos previstos constitucionalmente - e, neste último caso, apenas após uma apreciação prévia da Assembleia, que, para já não tem uma maioria partidária que autorize, por hipótese, expropriações ou nacionalizações de empresas das regiões autónomas, que seriam iniciativas típicas dum Governo regional de Direita, podendo, contudo, e por exemplo, a Assembleia Legislativa Regional orientar as finanças regionais, dentro do possível, num sentido que prejudique o interesse das famílias açorianas, uma das regiões socialmente mais empobrecidas do nosso país, através do, por exemplo, retirar de apoios sociais às famílias mais desfavorecidas.

Mas, sim, só vê mesmo quem não quer: este é, claramente, um faustoso ensaio do PSD para uma solução nacional perigosa, que tem como um dos atores principais um partido que tem alimentado, cada vez mais, um discurso racista e de ódio , que defende soluções inconstitucionais como a castração química e até física para condenados por delitos sexuais, o fim dos limites materiais de revisão constitucional que, de entre outros, permitiria acabar com a forma republicana de Governo ou a separação de poderes, importantes elementos para a importante definição de Estado de Direito que carateriza, desde Abril, o nosso país. Simplesmente, não podemos estender o tapete a esta solução que, embora legítima, se carateriza como censurável, insensata, que é, completamente, anti social-democrata; sendo o nosso dever repudiar esta mesma solução que põe, cada vez mais, em perigo o nosso país, e que merece, claramente, a nossa atenção e preocupação política.


13 novembro 2020

Miguel Marta