Da Alemanha para a Europa: O Futuro de um Regime

Um dos melhores sinais da evolução social nos últimos tempos tem sido a quantidade e qualidade de lideranças femininas em grandes democracias ocidentais. Jacinda Ardern fez da Nova Zelândia o maior caso de sucesso na resposta à pandemia do Covid-19, Angela Merkel tem contido os ímpetos extremistas existentes na Alemanha e é um dos bastiões da democracia liberal na Europa, Sanna Marin e Mette Frederiksen – embora, no caso desta última, não esquecendo os ataques do seu governo a direitos básicos de migrantes – têm dado cartas também. E, nos próximos anos, o futuro da Democracia e do Ocidente pode estar também nas mãos de mais uma mulher jovem.

 

Annalena Baerbock tem “apenas” 40 anos, é deputada no parlamento alemão e lidera, desde 2018, os Verdes do país. Apesar da juventude, em idade e carreira, tem visto o seu partido disputar o primeiro lugar em todas as recentes sondagens respetivas à eleição federal que será disputada este ano, após 16 anos de governação de centro-direita. Nenhuma dessas sondagens dá, no entanto, maioria absoluta aos Verdes, obrigando Baerbock a pensar em coligações, nomeadamente com a CDU/CSU, que é claramente o segundo partido mais votado, ou com pelo menos dois dos restantes partidos, mais concretamente o SPD, de centro-esquerda, os liberais do FDP ou os socialistas do Die Linke, partindo do princípio de que continuará a haver um cordão sanitário em torno da AfD, de extrema direita. Todos os cenários em cima da mesa representarão um futuro muito diferente não só para a Alemanha como, tendo em conta a posição e estatuto geopolíticos do país, para toda a Europa e todo o Ocidente.

 

A coligação que parece mais evidente, à primeira vista, seria com centro-esquerda e esquerda radical. É um cenário mais complexo do que aparenta ser, no entanto. Entre os partidos europeus das suas coordenadas políticas, o Die Linke é dos mais exigentes a negociar, ao passo que Baerbock representa a ala mais “à direita” dos Verdes – que por si só já se têm cada vez mais afastado da esquerda – e o SPD também se fixou à direita da social democracia, apresentando como candidato Olaf Scholz, da ala mais conservadora do partido e ministro das finanças numa coligação SPD-CDU. Por outro lado, no Die Linke há bastante ceticismo em relação à União Europeia e, sobretudo, à NATO, algo que não acontece nem no SPD nem nos Verdes – Baerbock, aliás, tem-se manifestado como uma profunda defensora da NATO. Se esta coligação for para a frente, muito provavelmente será resultado quer de uma moderação do Linke quer de um posicionamento mais à esquerda de Verdes e SPD, sendo o outcome um governo situado algures no meio da esquerda, próximo do socialismo democrático. Isto poderá refletir-se numa postura bastante diferente dos últimos 16 anos, quer a nível interno, com um modelo menos focado no crescimento económico e mais focado em apoios sociais, redistribuição justa e questões concretas da vida da classe trabalhadora, quer na política externa, procurando não se comportar como “dono da Europa” ao mesmo tempo que aumenta a solidariedade com outros povos e diminui a sua força “imperialista”.

 

Reitero, no entanto, que este cenário é extremamente complexo, e que Baerbock preferirá outras alternativas que não incluam o Die Linke, podendo até estar aberta a uma grande coligação de centro com a CDU, solução já ensaiada a nível regional em alguns estados. Se o aliado predileto for o SPD, haverá a alternativa de a estes somar o FDP, partido maioritariamente social liberal de centro com facções liberais de centro-direita. A grande diferença entre estes dois cenários é que o segundo, ainda assim, poderia trazer mais apoios sociais e, sendo qualquer um dos três partidos mais liberal nos costumes do que a CDU, mais progressismo. Por outro lado, uma coligação com um partido como a CDU, que governa o país mais forte da Europa há anos, consolidaria a Alemanha como a grande força política da Europa e uma das maiores do Ocidente e da NATO, sendo que isso não se alteraria muito no outro cenário – o SPD é altamente pró-EU e pró-NATO, e o FDP, ao contrário do Linke, não coloca grandes objeções. No cômputo geral, no entanto, consistem mais ou menos na mesma solução: uma coligação que vai desde o centro-esquerda ao centro-direita, que pouco ou nada promete no que toca à alteração do modelo económico vigente, na resposta aos problemas da vida concreta dos trabalhadores, do povo e da juventude germânicos ou na defesa de um outro projeto europeu, menos virado para os grandes grupos económicos ou para os interesses do grande capital, e que ao mesmo tempo procurará manter a Alemanha como a grande potência europeia e o grande baluarte da Democracia Ocidental.

 

A Alemanha representa, neste momento, o principal tampão ocidental contra os extremismos e populismos, e a defesa da Democracia, do liberalismo político e dos direitos humanos. Também representa, com estes valores, uma voz de comando na UE, na NATO, nas finanças europeias e em todos os outros blocos político-militares. Não é exagerado dizer, por isso, que qualquer movimentação alemã é uma movimentação de peso para todo o mundo. Resta esperar pela jovem Annalena, antiga trampolinista de alta competição, e saber em que direção quer voar.


Vasco Pereira




Da extrema-direita para a esquerda democrática, humanista, solidária e igualitária em apenas 100 dias (Gonçalo Leite)

Todo o mundo é composto de mudança” – já dizia Luís Vaz de Camões num dos seus célebres sonetos. E essa mudança teve início no dia 20 de janeiro de 2021. Às 12h00 em ponto, e cumprindo com o estipulado na vigésima emenda à Constituição dos Estados Unidos da Améria, cessou funções aquela que foi uma das piores administrações de sempre, e tomou posse uma outra administração repleta de propostas de rompimento total com os últimos quatro anos.

O povo norte-americano saiu às ruas em massa, e mesmo a meio de uma crise de saúde pública tão grave, disse presente à festa da democracia que são, inevitavelmente, as eleições. E tão importante quanto dizer presente à democracia, foi dizer sim à humanidade, sim à solidariedade e sim a uma sociedade mais justa e igual. E, assim, foi eleito, com mais de 81 milhões de votos, um recorde na história dos Estados Unidos, Joseph Robinette Biden Jr. O quadragésimo sexto presidente do país com a constituição mais antiga do mundo em uso.

Existem duas vias para se combater a desigualdade dos povos: uma dessas vias é a recusa veemente da população em subordinar-se a um futuro penoso e incerto, expressando nas ruas e nas mesas de voto a sua vontade de mudança. A outra, mais difícil de ser alcançada, é a ação do próprio Estado em prol da coletividade, impedindo que a desigualdade coloque em perigo a sociedade, a democracia e o futuro de uma nação.

Nos Estados Unidos da América existe agora, no lugar de maior poder e destaque do país, alguém que profere estas palavras que agora passo a citar: “Estou a agir no sentido de avançar com a equidade racial para todos os americanos que têm sido desaproveitados e discriminados, deixados para trás por demasiado tempo”.

E ao coro de vozes progressistas que hoje se ergue na terra dos livres, junta-se ainda o presidente Barack Obama que, em reação ao American Rescue Plan, disse: “A aprovação deste Plano faz-nos lembrar como é tão importante votar e como as eleições interessam e contam mesmo. Este é o tipo de progresso que se torna possível quando elegemos líderes para o Governo que se comprometem com o bem-estar das pessoas”.

Os quatro anos de administração Trump serviram para confirmar aquilo que já devia ser um dado adquirido: a direita não conseguiu, não consegue, nem conseguirá que o mercado funcione como um eficaz regulador social. Não podemos esperar que um mercado capitalista, com um foco obsessivo no lucro e uma abstração dos meios que se propõem utilizar para atingir esse fim, tenha qualquer tipo de ética social.

As sociedades que assentem em fundamentos neoliberais são, indubitavelmente, as sociedades com maiores desigualdades e consequentemente maiores registos de violência. E foi isso que aconteceu nos Estados Unidos, tanto no tempo da escravatura em que o papel do Estado era sobreposto pelo poder dos senhores das terras, empurrando para o abismo milhões de americanos escravizados; como nos últimos quatro anos de extrema-direita (o novo paradigma do Partido Republicano), em que o protofascismo saiu da gaveta, precipitando inevitavelmente mais discriminação e desigualdade nos Estados Unidos da América.

No passado dia 30 de abril, Joe Biden e Kamala Harris atingiram a marca de 100 dias da nova administração. Um marco histórico que importa não só festejar, como refletir. Porque estes foram 100 dias de passagem da extrema-direita para a esquerda democrática, humanista, solidária e igualitária de uma nação inteira.

A marca dos 100 dias foi usada, pela primeira vez, durante a administração de Franklin D. Roosevelt. O pai do New Deal, que o criou e implementou, com o objetivo de recuperar e reformar a economia e a sociedade norte-americana após a Grande Depressão. Esta marca temporal assume especial relevância como padrão para medir o progresso e as mudanças operadas por uma nova administração.

E Joe Biden não tinha poucas mudanças para operar. Aliás, foi um dos presidentes dos Estados Unidos que mais trabalhou nos primeiros 100 dias do novo executivo. Em mãos tinha, e em parte ainda tem, uma pandemia violentíssima, uma economia em cacos, milhões de novos desempregados, questões raciais urgentes, e uma herança de imbróglios do seu antecessor para reverter da forma mais célere possível.

No contexto de resposta à pandemia da covid-19, a primeira grande promessa da nova administração era a inoculação de 100 milhões de doses da vacina nos primeiros 100 dias à frente da Casa Branca. Inicialmente, este objetivo era visto pela comunidade como algo ambicioso de mais, e foi inclusivamente alvo de chacota por parte dos republicanos, encabeçados por Donald Trump.

Acontece que, ao contrário do que a maioria dos críticos argumentava e ansiava (de uma forma muito mórbida e com uma grande falta de ética e de patriotismo), a marca das 100 milhões de doses inoculadas foi atingida apenas 58 dias desde o início da nova administração. E a marca das 200 milhões de doses, o dobro do inicialmente previsto, foi atingida uma semana antes dos 100 dias de Joe Biden na casa mais poderosa do mundo.

Não obstante o inegável, e quase milagroso, sucesso dos Estados Unidos na inoculação da sua população, outros desafios impõem-se à nova administração. Existe ainda, uma grande parte do mundo, que não tem acesso a vacinas em quantidades desejáveis.  

Mesmo com esse grande entrave Joe Biden surpreendeu o mundo, quebrou barreiras e preconceitos, e anunciou em público perante todo o mundo que os Estados Unidos da América, o grande epicentro do liberalismo económico e da iniciativa privada, estavam a estudar a possibilidade de suspender os direitos das patentes no domínio das vacinas contra a covid-19. Desta forma, países terceiros teriam a oportunidade de produzir as suas próprias vacinas sem necessitarem de pagar direitos de propriedade intelectual.

Esta tomada de posição da administração Biden-Harris foi notória de uma nova agenda, uma agenda que respeita a humanidade e os mais desfavorecidos. Uma agenda progressista, por um mundo mais igualitário e unido. Uma agenda que coloca acima dos interesses financeiros instalados, os interesses de uma nação, os interesses do mundo.

Afrontar os interesses financeiros dos poderosos da indústria farmacêutica, com o objetivo de proporcionar aos países mais pobres a possibilidade de enfrentarem a pandemia por sua conta e risco e com baixos custos inerentes à inoculação das suas populações é, não só um ato de coragem, como um ato de compaixão e de solidariedade que devem ser bandeiras da esquerda.

No âmbito da imigração, dificilmente Joe Biden conseguirá cumprir todas as suas promessas. Todavia, o presidente dos Estados Unidos no mês de março assinou decretos importantíssimos para reverter algumas situações desumanas potenciadas pela anterior administração. Um desses decretos presidenciais permitiu a criação de uma task-force para identificar famílias separadas na fronteira com o México.

Como já havia dito no início do parágrafo antecedente, cumprir todas as suas promessas no quesito imigração será muito difícil, se não mesmo impossível. Decorre dessa mesma dificuldade que, apesar da reversão de algumas medidas desumanas da antiga administração Trump, a administração Biden não cumpriu o prometido aumento dos limites para refugiados, e a sobrelotação dos abrigos para menores desacompanhados não abonará nada a seu favor.

No que concerne à política externa, são manifestamente explícitas as alterações comparativamente com a administração do republicano Trump. As atitudes infantis e paradoxais do anterior presidente, que deterioraram as relações dos Estados Unidos com os seus mais antigos aliados, foram o principal foco de atenção de Joe Biden e do Secretário de Estado Antony Blinken.

A aliança transatlântica dos Estados Unidos com a Europa é de suma importância para ambas as partes envolvidas. E ouso dizer que para o mundo, num panorama mais abrangente de ideias. Nós, como europeus, pretendemos uma Europa que seja mais independente e autónoma nas suas decisões e opiniões, mas não podemos subestimar o poder e a importância do multilateralismo num mundo cada vez mais conectado e desejoso de cooperação.

Este eixo Europa-EUA tem vindo a ser progressivamente ressuscitado, ferido que ainda está de quatro anos de desprezo de Trump e seus fiéis seguidores. Porém, respira-se hoje um novo ar nas relações entre os dois lados, existindo uma grande margem para acórdãos e debates sobre temas mais sensíveis como defesa, segurança e comércio.

No domínio de outros eixos bilaterais, Joe Biden e a sua administração têm, em comparação com a administração Trump, endurecido o seu discurso para com a Rússia. Em meados de março, o presidente dos Estados Unidos da América, de forma inusitada, acabou mesmo por caracterizar o seu homólogo russo de assassino, e acusá-lo de interferência indevida nas eleições americanas. Para além das tradicionais picardias verbais, os Estados Unidos, alinhados com a Europa, têm vindo a endurecer a sua posição face às ações militares russas em território ucraniano.

Não posso deixar de abordar outra questão de suma importância para o mundo, as alterações climáticas. Mais uma vez, a crítica à administração Trump é inevitável. O desprezo com que o mesmo (des)tratava este problema de todos nós e intergeracional justificou por si só a mobilização sem precedentes dos jovens norte-americanos pela não reeleição de Donald Trump.

Uma das primeiras ações decretadas por Joe Biden, a partir da Resolute Desk, foi precisamente cumprir a sua promessa e reingressar os Estados Unidos no Acordo Climático de Paris. Como parte deste reingresso, a administração Biden comprometeu o país a reduzir os gases de efeito estufa para metade até ao ano de 2030.

A transformação do modelo económico-social reveste-se cada vez mais de maior importância, sendo transversal a todos os países. As consequências climáticas, inevitavelmente, ao acontecerem sob a forma de catástrofes naturais, impactarão mais extensivamente as classes menos favorecidas da sociedade. Sem descurar os impactos, também eles perversos, sobre as classes mais desprotegidas, que um combate intensivo às alterações climáticas poderá produzir no curto prazo.

De maneira a que seja possível alcançar este objetivo no prazo estabelecido, avalizado agora pela nova administração, terá de ser aprovado no Congresso um Pacote de Infraestruturas no montante de 2.3 triliões de dólares. Esse grande Pacote, ainda em discussão acerca dos moldes de aplicação, incidirá maioritariamente sobre investimentos em veículos elétricos e infraestruturas de tecnologia de energia limpa.

Por fim, é crucial analisar os progressos produzidos no que à economia diz respeito. A pandemia da covid-19 deixou bem patente, em praticamente todas as nações, que a retoma seria dolorosa e porventura demorada. Sem embargo às desigualdades já existentes na economia e na sociedade norte-americana, graças à filosofia neoliberal intrínseca ao país, a situação ficou ainda mais preocupante com a crise económica sucedente à crise de saúde pública.

As minhas caras camaradas e os meus caros camaradas, que agora leem este artigo, estarão porventura a refletir sobre o modelo do neoliberalismo e sobre todas as suas falácias. Lamentavelmente, por experiência própria como cobaias da troika no período de governação do anterior governo português, sabemos que em vez de gerar crescimento, algumas políticas neoliberais aumentam a desigualdade, retraem o crescimento económico e colocam em risco o futuro de toda uma geração.

Inevitavelmente, o aumento da desigualdade prejudica estruturalmente o nível e a sustentabilidade do crescimento económico. Mas como um mal nunca vem só, as políticas neoliberais para a economia e para a sociedade chocam também com a agenda da esquerda no quesito orçamental. Uma austeridade orçamental gera custos sociais substanciais, assim como limita a procura e aprofunda os níveis de desemprego.

Depois deste pequeno aparte a que a camarada e o camarada me vão perdoar, retomo para concluir a evolução da economia dos Estados Unidos sob a égide da administração Biden. Mesmo sem o apoio do Partido Republicano, o Plano de Resgate avaliado em 1.9 triliões de dólares já está a ser colocado em prática. E, curiosamente, uma das medidas desse grande Plano de Resgate é a distribuição de cheques pelos cidadãos norte-americanos com o objetivo de promover a procura e estimular o crescimento económico, receita fundamental para a geração de emprego.

E é exatamente graças a essa medida que choca de frente com o neoliberalismo, e a par de um Plano de Vacinação que, como já abordado no decorrer deste artigo, está a correr muito melhor do que o inicialmente previsto, que a economia dos Estados Unidos conseguiu gerar mais de 1.5 milhões de postos de trabalho (recorde absoluto desde que há registo), reduzindo a taxa de desemprego para uns mais controlados 6%. Como termo comparativo, há um ano atrás estava em 14%. Apesar destas notícias excelentes, existem dois temas que ainda preocupam economistas, governantes e população: os níveis de emprego ainda estão abaixo do período pré-pandemia e existe o risco de uma inflação elevada e descontrolada como resultado dos elevados Planos de Resgate à economia norte-americana.

Por todos estes aspetos que abordei no presente artigo, é axiomático dizer que hoje os Estados Unidos da América são um país liderado por uma administração verdadeiramente preocupada com a segurança dos seus concidadãos, com a estabilidade política e social e com a globalização sustentável.

Esta nova administração norte-americana, nos seus primeiros 100 dias de vida, tem primado pela defesa da proteção das minorias, do combate ao racismo (racismo este despoletado ainda mais pelo antecessor de Joe Biden), da democracia, da estabilidade política e social, mas, também, económica. São 100 dias de quebra total com o passado recente, trágico, de uma nação que muito deu ao mundo e muito mais ainda dará.

Não pode haver progresso senão quando a modernização técnica é acompanhada pela redução das formas de dominação hierárquicas e pela redução da desigualdade. É precisamente esse bom combate que tem sido feito pela nova administração Biden-Harris. São 100 dias que alteram completamente o rumo do mundo, para alguns para pior, para mim e para as minhas camaradas e para os meus camaradas certamente para melhor.

Tenhamos todos a coragem que Joe Biden teve para enfrentar os diabos do extremismo e do neoliberalismo, que ameaçam assaltar todas as conquistas sociais e democráticas. E consigamos fazer do nosso mundo, um mundo melhor, mais justo, solidário e progressista.

 

 

Gonçalo Pinto da Costa Leite 





União ou Federação? Continuemos unidos. (João Sá)

    A expressão “Estados Unidos da Europa” é comumente usada pelos federalistas quando falam do futuro da União Europeia. Na verdade, é algo discutido há pelo menos 18 anos, aquando da apresentação da Constituição da UE para ser ratificada pelos Estados-membros.

    Em termos gerais, quem é contra o federalismo ou uma possível Federação Europeia é eurocético ou não apresenta confiança suficiente na atual posição da UE como organização supranacional e, assim, teme que uma federação piore ainda mais a situação.

    Sendo assim, qual posição estará mais correta? Deve a União Europeia avançar para uma agenda federalista ou continuar a desenvolver a harmonia entre os 27 Estados- membros e continuar apenas como união?

    Independentemente da posição individual de cada um, várias coisas a considerar. A União Europeia tem uma agenda progressivamente federalista. O regulamento mais ambicioso que o demonstra é o Mercado Único Digital. Por outro lado, não nenhum consenso entre os 27 para existir uma federação.

    Sendo a minha posição alguma coisa no meio, i.e., não acreditar que uma federação seja o caminho a seguir, mas não tendo nenhum problema em assumir que existe demasiada burocracia no processo legislativo da UE e demasiados mecanismos de bloqueio de diretivas ou regulamentos importantes para toda a União, continuo a acreditar que o melhor sistema é o que já existe – ser uma união.

    A União Europeia não é considerada nem uma confederação (embora tenha muitas semelhanças com uma) nem uma federação (embora tenha vários poderes semelhantes a uma). A UE é categorizada como uma aliança voluntária de, neste momento, 27 Estados europeus que se uniram para cooperarem entre si e concretizar os objetivos principais desta organização: paz e reconciliação entre os Estados, avanço da democracia e dos direitos humanos e partilhar um espaço comum onde as heranças socioculturais sejam respeitadas. E tem conseguido. Aliás, chegou a ganhar o Nobel da Paz devido à sua eficácia.

    Mas voltando à questão: deve a União Europeia avançar para uma federação? A minha resposta é não. O melhor argumento do federalismo é o argumento económico e é um argumento muito forte. De facto, uma Federação Europeia seria muito mais robusta em termos económicos e iria impor ainda mais respeito no que toca a política de ordem mundial. Vários estudos demonstram isso e é inegável as suas regalias.

    Contudo, a economia é quantificável. O problema das diferentes culturas, costumes, línguas, hábitos regionais e História dos 27 Estados-membros não o é. E a simples analogia que se faz entre os Estados Unidos da América e a União Europeia para argumentar a favor da vertente federalista é, em si própria, irrealista, no mínimo.

    Os Estados Unidos da América surgiram num  contexto pós-guerra pela sua independência e mesmo assim, para, na altura, os Estados independentes aceitarem uma federação foram preciso os preciosos Federalist Papers escritos por grandes figuras históricas como Alexander Hamilton, John Adams e James Madison e também a ajuda da potente frase de George Washington que dizia que uma nação é respeitada e respeitável se pagar as suas dívidas. Mesmo nos Estados Unidos, foram necessárias duas convenções constitucionais para garantir a sua federação.

    No entanto, a história europeia é diferente. Foi imperativo criar uma união para evitar conflitos entre as nações europeias. Além disso, os EUA não têm nem de perto nem de longe a mesma complexidade no que toca a barreiras linguísticas, culturais e históricas do que a Europa. E, por fim, uma boa parte dos Estados nem sequer quer uma federação porque acha que a solução de uma união com benefícios mútuos é a melhor, garantindo a sua soberania nacional.

    Atravessamos uma fase de imenso populismo eurocético, o que não ajuda à causa federalista. E mesmo assim, há algo que continua a ser verdade: o quão mais longe se encontrar as instituições de poder, menos confiança se tem nas mesmas. Uma Federação Europeia iria exponenciar este problema a um nível crítico.

    Para efeitos hipotéticos, imagine-se que a atual União Europeia é uma Federação Europeia. Conte-se apenas com os 27 Estados-membros e ignore-se, neste exercício, países da Zona Euro que não são membros e restantes países europeus. A nossa capital é Bruxelas, temos um poderoso exército europeu, uma excelente política de defesa e migração, temos um crescente mercado único que rapidamente poderá superar o dos Estados Unidos da América, temos poderosas instituições federais centralizadas nos estados da Bélgica, França e Alemanha, temos uma limpeza nas dividas soberanas, uma limpeza em sobreposições de tratados e garantimos uma forte sociedade que, a priori, tem o potencial para ser a mais poderosa do mundo.

    E o que não temos? A Federação obrigaria a uma união obrigatória. Logo, teríamos uma língua. Qual? Inglês seria a melhor escolha, mas boa sorte em fazer com que a França ou a Alemanha aceitem tal coisa. Não teríamos a nossa bagagem histórica, para o melhor ou para o pior. A discrepância entre estados no Leste da Federação e no Centro seria esmagadora e potencialmente destrutiva para a Federação. Não temos Constituições nacionais, porque a Constituição da UE iria mudar muitos aspetos de todos os estados. A nossa bandeira passa a ser estatal em vez de nacional. O mesmo para os nossos hinos. E a nossa identidade? Europeia. Não portuguesa, não espanhola, não francesa, não alemã. Apenas europeia, seja o que isso for.

    Existem muitas melhorias a fazer à nossa União, sem dúvida. Muitas delas podem ser feitas através do processo federal ou, simplesmente, ter uma maior cooperação entre os Estados-membros. A harmonização que a União Europeia tanto apregoa não significa todos os indivíduos pensarem da mesma forma. Isso não representa de todo o continente europeu. Significa negociar o melhor para os seus povos, fazer concessões para uma maior estabilidade sem perder a sua soberania, fazer brilhar o processo democrático e continuar a demonstrar que através de entreajuda entre Estados com contextos muito diferentes é possível ser um dos projetos políticos mais ambiciosos da História e mesmo assim ter sucesso.

João Sá

A Federação dos Países Europeus e o aumento da qualidade de vida (Ricardo Brandão)

1  - Aproveitando a Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, penso ser o momento ideal para trazer à colação o aprofundamento da UE.

 

A União Europeia tem sido algo muito importante para o desenvolvimento e bem-estar dos europeus, mas tendo em conta os tempos que se avizinham em que a mesma irá ser ultrapassada por outras potências devido ao seu desenvolvimento galopante, é altura de parar para pensar, proponho então ao leitor uma solução económica e social para conseguirmos manter a nossa qualidade de vida, sob pena de nada fazendo, podermos estar a condenar as gerações futuras, falemos então sobre a Federação dos Países Europeus. 

Sociologicamente, um dos temas mais fraturantes para os europeus é o aprofundamento da União Europeia, sendo que isso se deve maioritariamente a fatores culturais e políticos, mas não a fatores económicos. Por um lado temos forças extremistas de esquerda e direita que são até contra a existência da mesma, quanto mais um aprofundamento. Por outro lado temos uma visão maioritária que aceita e abraça a União Europeia, mas apenas como ela está.

Pelo discorrido previamente, tenho consciência que o artigo que estou a escrever à partida não terá muitos adeptos, mas acredito que olhando para os dados e factos empíricos em que me vou debruçar, poderão fazer os leitores concordar que a criação da Federação dos Países Europeus irá possibilitar aos europeus um nível de vida superior e com isso permitir-lhes ser mais felizes. Acredito que a premissa anterior tem peso para todo o ser humano, pois uma das características que nos define enquanto espécie é a empatia.


2  - Comecemos por algumas análises comparativas empíricas entre a União Europeia e os Estados Unidos da América, uma vez que eles têm um federalismo mais aprofundado.

 

-  A população da UE é de 447,7 milhões de pessoas, a dos EUA é de 328,2 milhões de pessoas.

-  O PIB na UE é de 13,3 biliões de euros, nos EUA é de 17,6 biliões de euros.

  -  A percentagem de pessoas na UE com mais de 25 anos com pelo menos um bacharelato é de cerca de 27,5%, nos EUA a percentagem é de 32,1%.

Logo, usando a mão-de-obra qualificada como pivot e considerando a proporção dos EUA como capacidade máxima, a União Europeia teria condições para ter um PIB de 20,6 biliões de euros. Por outras palavras, a UE cria apenas cerca de 65% da riqueza que poderia criar.

   -  A diferença na UE entre o País com PIB per capita mais alto - Luxemburgo - e do País com o mais baixo - Bulgária - é de 80 mil euros, já nos EUA a diferença entre o Estado com o PIB per capita mais alto - Nova Iorque - e do Estado com o mais baixo - Mississippi - é de 41 mil euros. (O Distrito de Columbia não foi considerado, uma vez que além de não ser um Estado, a sua riqueza muitíssimo acima da média advém de ser o centro estatal dos EUA).

   -  A proporção do país com o PIB per capita mais baixo da UE - Bulgária - relativamente à média do PIB per capita da UE é de 54%, já nos EUA essa mesma proporção - Mississippi - é de 62%.

Assim sendo, pode-se constatar que os EUA têm uma maior uniformidade económica no seu território relativamente à UE, existindo por isso menores disparidades entre os vários Estados. 

   -  Passando agora para um exercício sociológico, é normal nos EUA uma empresa que venda online do Texas, por exemplo, poder não ter muitas vendas no seu Estado, mas que consegue sobreviver devido a tê-las no Estado do Maine. O mesmo não se passa tanto na UE, uma empresa de Portugal, por exemplo, nas mesmas condições teria muitíssimas dificuldades para ter vendas correspondentes na Croácia, tendo por isso maior probabilidade de fechar portas.

A razão principal para isto acontecer deve-se ao facto de na UE não existir uma língua única transversal, ao contrário do que o que acontece nos EUA com o inglês. A língua representa por isso uma barreira ao desenvolvimento económico na UE e como tal ao bem-estar económico dos seus cidadãos.

   -  O orçamento da União da Europeia é cerca de 2% do orçamento dos países que a constituem, que por isso controlam 98%. Nos EUA o orçamento federal é de 55% enquanto o dos Estados e locais é de 45%.

Isto demonstra a subalternidade a que a UE está vetada a nível de diretoria económica, fazendo quase transparecer que a mesma tem um papel sobretudo diplomático. Os EUA por seu lado têm uma divisão mais equitativa dos orçamentos, algo que tem lógica económica, pois permite ao Governo Federal definir linhas diretoras económicas transversais aos EUA e ao mesmo tempo oferece bastante autonomia orçamental aos seus Estados.

    3  - Uma das grandes criações da sociedade humana foi o Estado Social e isso deve-se a países da União Europeia, eu pessoalmente sou defensor do mesmo, pelo que nesse campo não vejo os EUA como exemplo, contudo isso não tem relação com o facto de podermos criar muito mais riqueza na UE, porque a maneira como os governos gastam o orçamento é algo posterior à criação de riqueza, logo o facto de nós aproveitarmos as nossas capacidades, terá como resultado, devido ao aumento do PIB, estender ainda mais o papel do Estado Social, ajudando com isso os nossos concidadãos.

O facto de se centralizar mais o poder, não irá mudar a nossa cultura e identidade, pois continuaremos a viver em democracia, a ter eleições para o nosso país, a festejar o São João e o Santo António, a ler Sophia de Mello Breyner e Fernando Pessoa, a festejar o 25 de Abril, a cantar o hino, a ver os jogos da seleção e a falar português no nosso país, a única mudança é termos consciência de que para sobrevivermos economicamente enquanto região, temos de nos unir, porque só assim conseguiremos ultrapassar a tempestade que se avizinha.

Neste momento, a UE funciona quase como um robô humanoide algo anárquico, em que por muito que a cabeça - UE - queira dar um passo, todas as peças - Países - passam meses a discutir entre si se devém ou não dá-lo, uma vez que para o passo ser dado têm de estar todas a favor, o mesmo é por isso lento e a maior parte do tempo não se move, - lembrando de certo modo o sketch Philosophers' Football Match dos Monty Python - no momento em que estamos cada segundo conta, é por isso necessário agir, já que dentro de 7 anos a China irá ser a primeira economia mundial e a Índia daqui a 22 anos irá substituir-nos no terceiro lugar, logo para o bem das gerações futuras, algo deve ser feito.

4  - Para existir esta alteração ter-se-ia que fazer um referendo em todos os países da UE, sendo que os países que a aprovassem integrariam a Federação dos Países Europeus, os que chumbassem a mesma continuariam na UE, sendo que a FPE a UE manteriam uma colaboração próxima, tendo o euro como denominador comum, todavia no longo prazo, acredito que a maioria dos países iriam aderir à FPE, devido ao superior desenvolvimento económico que a Federação do Países Europeus proporcionará aos cidadãos europeus.

As medidas chave da FPE deveriam ser:

   -  O ensino da língua inglesa em todos os países da FPE.

   -  O canal Euronews incluído nos canais TDT.

   -  Um parlamento proporcional.

   -  Um senado em que todos os países estejam igualmente representados.

   -  Os websites das empresas em países da FPE quando acedidos a partir de outro país da FPE, que não o seu, deverem estar em língua inglesa.

   -  As candidaturas a Presidente da FPE não poderem ser de cidadãos dos mesmos países dos anteriores Presidentes, até que cada ciclo termine.

   -  A divisão entre o orçamento federal e o dos países ser equitativa.

   -  O Presidente e governo federal com mandatos únicos de 4 anos.


Tudo isto tem uma razão de ser, a língua inglesa pragmaticamente seria o ideal, uma vez que é a mais aprendida pelos europeus, logo seria a de mais rápida implementação, para existir um denominador comum entre nós, sei que alguns leitores poderão argumentar que o Reino Unido saiu da UE, mas a República da Irlanda que faz parte da UE, também fala a língua inglesa.


Os normais canais de cada país continuariam a transmitir nas suas línguas locais, mas seria também transmitido gratuitamente a Euronews em língua inglesa, como pivot para a coesão da FPE.


O parlamento e o senado teriam um funcionamento muito semelhante ao americano, sendo que o senado terá um papel importantíssimo para impedir que os países com maior população subjuguem os que têm menor população.


A questão da uniformização dos websites fora do país de origem, irá permitir aumentar as vendas das empresas dentro da FPE.


A ideia de não repetição de Presidentes dos mesmos países deve-se a evitar a possível monopolização dos países com maior população, logo as candidaturas a Presidente de cada aliança partidária terão ter isso em conta, sendo que a ordem será aleatória, portanto na primeira eleição, o presidente poderá ser de qualquer um dos 27 países, se ganhar alguém da Eslovénia só no mínimo dali a 104 anos - 26 mandatos - poderá voltar a haver um Presidente da FPE desse país, na segunda eleição poderão haver candidatos de qualquer um dos outros 26 países e assim sucessivamente até ao último mandato desse ciclo em que só haverão candidatos de um país, quando o primeiro ciclo de mandatos terminar, voltarão a poder haver candidatos de qualquer um dos países, seguindo as mesmas regras.


A divisão entre o orçamento federal e o dos países ser equitativa, deve-se a tal como nos EUA garantir que a FPE funcione de uma maneira organizada e que ao mesmo tempo permita autonomia aos seus membros. 


Os mandatos únicos de 4 anos deve-se ao facto de numa sociedade com 447,7 milhões de habitantes, não faltarem pessoas com capacidade para liderar um governo, além disso os mandatos únicos favorecem a salubridade das instituições.

5  - Tenho a noção que a concretização desta visão será um desafio hercúleo, peço por isso aos leitores que pensem no quanto tudo isto poderia melhorar a sua qualidade de vida e, sobretudo, aos que sejam decisores políticos que reflitam sobre o bem-estar económico que esta solução poderia trazer aos cidadãos que representam, pois sei que o que motiva a maioria dos mesmos, é ajudar a humanidade.


Agradeço a todos os leitores pela leitura deste artigo, espero que o mesmo contribua para despertar consciências.

 

Ricardo Brandão